terça-feira, 23 de agosto de 2016

No tempo dos ipês

Teu rosto.
Teu sorriso.
Brotam nessas inflorescências coloridas da beira da estrada.
Eu sempre te associo com a natureza.
Com flores.
Com chuva.
Com a beleza dessas coisas simples que ganhamos de presente do mundo.
Com a vida que nasce nos lugares mais improváveis.
Como o amor.

Eu não posso te colher do jardim onde estás plantada.
Não posso te comer como quem come um jambo
no tempo dos jambos.
Como quem come uma manga no tempo das mangas.
Não posso engarrafar teu suor para tomar quando me sentir sozinho.
Não posso comprar teu cheiro e me encharcar como se fosse
 um patchoulie medicinal.

Só posso querer.
E ter fantasias de outras existências.
Onde eu serei o teu amor.
Onde tu não serás mais essa coisa inatingível.
Essa orquídea rara em árvore alta.
Essa deusa onipresente no meu peito.

Mas somente uma mulher.

Não!
Tu nunca será somente uma mulher.
Nem nessa vida, nem nas outras, nem nas inventadas.

E essas flores malditas somente desabrocham para zombar de mim.
Porque me fazem lembrar do teu sorriso.




segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Esse outro mundo

As setas voam pelo céu.
E não temos escudo.
Serão flechas de ódio?
De rancor? De malquerer?
Não sei.
 Meus olhos foram furados.
Já não posso ver.

De peito escancarado recebo tudo e não me esquivo.
E as palavras me rasgam de fora a fora.

Sempre soubemos que era frágil.
Que era ponte suspensa,
unindo as margens de um precipício medonho.
Ponte amarrada com fitas coloridas. Sabe?
Aquelas de embrulhar presente.
Finas fitas de querer, de cumplicidade, de amor velado,
de parceria.
É uma guerra agora?
Não sei.
Meus olhos estão furados.

Ou seria tão somente um turbilhão de frustrações, de desesperanças,
de sonhos não vividos em seu tempo?
Não sei.

 Sei, e me flagelo por isso,
que por mais que exponha minha alma,
que entregue meu coração pulsando,
arrancado agora mesmo,
 não consigo traduzir em gestos tudo.
Tudo que sinto.

Agora é o fim?
Não sei.
Meus olhos estão furados.
E caminho na corda do equilibrista.
Cego.
Sem entender se é tudo verdade.
Sem conseguir ver se são flechas essas palavras,
 embebidas com a mais pura tradução das verdades que não ousamos
ver, ouvir, falar.
Ou apenas mal-entendidos, desassossegos, excesso de vontades represadas.
E amanhã estaremos novamente trocando confidencias,
 sobre a ponte suspensa, amarrada por finas fitas
de querer, de cumplicidade, de amor velado, de parceria.
E nós, seguiremos pulando sobre a ponte para testar a resistência.
Desafiando a gravidade do planeta, e de nossos atos.
Confiando que mesmo finas,
essas fitas podem com o peso do mundo todo.
O mundo só nosso. Florido e ensolarado.
Que criamos para viver o inexplicável,
o não permitido aqui, no sólido emaranhado de nossas escolhas.
Eu não sei.
Porque tuas palavras me feriram,
como sempre nos feriram os deuses.
E perdi o leme, os remos, a quilha.
Meu senso de direção.
E não sei se estou a beira da morte,
ferido pelos teus carinhos com dedos de navalha.
Ou pateticamente vivendo em nosso pequeno grande mundo,
  já abandonado por ti há tempos.
E eu cego, infantil e alienado,
 me debatendo sem guia, sem cachorro, sem bengala,
sem noção.
 não pude fugir também,
quando acenderam as luzes vermelhas.

Eu não sei se me despeço,
Ou se sigo em nosso caminho da felicidade.
Escrevendo essas mazelas e reversos.
Sem rima arremedos de poemas tortos e desconexos.
Assassinados pela realidade.


Porque é assim que te amo.